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A grande guerra.

Aglomerado Globular
Tive um dia esgotante. Mal deitei na cama e logo peguei no sono. Depois de muitas noites sumido, Mahat Zoratti voltou a aparecer em meus sonhos. Dessa vez notei algo diferente. Não acordei naquela maca, mas em uma cama com lençóis decorados como aqueles filmes que mostram Reis Orientais. Parecia um linho com tons de azul com bordados dourados.
Então levantei-me e calcei uns sapatos engraçados que estavam na lateral da cama. Caminhei até a porta que se abriu automaticamente quando me aproximei. Segui por um corredor onde me deparei com uma porta aberta e reconheci aquele lugar. Era a sala onde sempre conversava com Mahat. Então me aproximei e lá estava ele, sério e o com olhar perdido no horizonte. A nossa frente havia um aglomerado globular.
- Lindo, não acha? – interrompi o silêncio.
- Sim, - respondeu ele ainda com o olhar distante. – muito lindo.
- Por que sumiu? Fazia tempo que não nos víamos. Eu precisei de seus conselhos em alguns momentos. – indaguei.
- Tive que me desligar um pouco deste mundo.
- Como assim?
- Pode notar aquele aglomerado globular? Veja como as estrelas juntas são mais bonitas! Precisamos de amigos, parceiros! Assim nosso brilho, nossa força, nossa energia, tudo aumenta!
- Não tem amigos?
- Já tive.
- Não me considera um amigo? – disse com ressalva e um pouco entristecido.
- Somos amigos, pequeno Padauã! – sorriu. – Quis dizer que perdi muitos.
- Onde?
- Na grande guerra.
- Guerra “Interestelar”?
- Eu diria “Celestial”. – franziu o cenho.
- Você perdeu mais que seus amigos. Posso notar isso. – comentei.
- Ainda me lembro como se fosse ontem o dia em que ela se foi. – seus olhos brilharam cheios de lágrimas.
- Por que não me conta?


- Tudo bem. – suspirou. - O dia estava cinza. Em alguns momentos até chuviscava. O frio do inverno tomava meu corpo enquanto eu olhava de frente pro mar. Meu casaco já não era capaz de me livrar do frio que vinha de dentro para fora. O nó em minha garganta impulsionava as lágrimas que eu ainda insistia em segurar. Em dado momento meu corpo estremeceu quando o vento frio soprou alguns instante antes que as luzes do calçadão se acendessem. Por mais que alguém pudesse estar ali por perto, não havia mais ninguém além de mim em minha percepção. O mundo acabava de desmoronar em minhas costas. Uma vez ouvi alguém dizer que o que mais machuca não é tirar-lhe o dinheiro, seus pés ou mãos. Não é tirar-lhe seu emprego ou afogá-lo em humilhações, mas sim tirar-lhe o coração. Nada dói mais que um coração ferido. Eu, por mais frio que parecesse ser, jamais poderia entender que algo tão cruel pudesse acontecer a mim. Eu era apenas uma pessoa comum em um planeta comum antes de ser escolhido. Se soubesse o que me aguardava, jamais teria aceitado. Como disse o tio Ben no filme do Homem Aranha, “com grandes poderes se tem grandes responsabilidades”.
- Desculpe interromper, mas como assim “grandes poderes”? Afinal, o que é você? – perguntei confuso.
- Éramos um pouco mais avançados tecnologicamente que vocês são hoje quando descobrimos vida fora de nosso planeta. Em seguida encontramos sociedades mais avançadas que a nossa e interagimos. As viagens espaciais estavam em alta. Porém as vastas distancias nos impediam de sair e conquistar o espaço interestelar. Eu era um simples jovem sonhador antes de me alistar para as tropas espaciais de Ária, a nossa Terra. Afim de enviar arianos pela galáxia, trabalhamos durante anos na prolongação da vida, ou seja, uma forma de impedir que o corpo se deteriorasse. Criamos o projeto “contra o tempo” para impulsionar o projeto “Além do infinito”, que nos levaria a viajar pela galáxia. Aprendemos a manipular a genética e conseguimos fazer com que nossas células se copiassem de maneira perfeita, isso fez com que nunca mais envelhecêssemos. Mas tudo isso no fim tem um alto custo. Exploramos a nossa galáxia e encontramos pessoas ruins. Sabíamos que um conselho intergaláctico deveria ser criado e o fizemos. O povo ariano foi o maior representante de paz, porém o poder fez com que ficássemos em evidencia. Algumas raças se uniram e provocaram uma grande guerra... – parou e fechou os olhos.
- Como foi essa guerra?



- Em Ária. Eu tinha pouco mais de sessenta mil anos terrestres quando tudo começou.
- E onde sua amada entra nessa história?
- Bom, nem todos os arianos tinham recursos para ser “eternos”. Também existiam aqueles que, como ela e sua família, optavam por viver enquanto Deus permitisse. Essas pessoas tinham a vida curta. Em média cento e vinte anos terrestres. Nossas tropas resistiram durante anos. Eu lutei aquela guerra como nunca havia lutado antes. Então começamos a criar o processo de modificação celular em toda a população afim de que nossos soldados fossem mais numerosos e não morressem pela velhice.
- Um esforço global para salvar o planeta e sua própria espécie.
- Sim. Mas nosso método de modificação celular só podia ser feito na micro gravidade, ou seja, no espaço, orbitando Ária. Haviam sete grandes clínicas espaciais. Eram maiores que as luas de Marte! Infelizmente as super bombas nucleares alcançaram nossas bases sem que ao menos pudéssemos nos defender. Dezenas de bombas vieram em nossa direção e era tarde de mais. Defendemos nosso planeta, mas perdemos nossas clinicas. Piáh não teve tempo de ser tratada. – uma lágrima escorreu de seus olhos.

- Eu sinto muito. – senti um nó em minha garganta.
- Respondemos com nossas armas mais avançadas e aquele dia foi marcado com um massacre contra nossos inimigos. Milhares de naves e milhões de corpos sem vidas vagam em nosso sistema solar até os dias de hoje. Mas apesar da batalha vencida, perdemos muito mais que poderíamos imaginar. A radiação provocou câncer em quase toda a população. Não tínhamos nem ao menos como nos cuidar. Tudo estava devastado. Piáh morreu com câncer provocado pelas bombas que explodiram em nossa atmosfera. Naquele dia eu morri junto com ela. Demorei mais de sessenta mil anos para conhecer o amor de minha vida, e ela se foi em apenas alguns anos. Derramei suas cinzas no oceano. Solitário, fiquei ali naquela tarde de inverno até escurecer. Nos fomos reduzidos a quase nada, mas aprendemos muito com tudo isso. O Universo não é um parque de diversões. Nem todos vão concordar com suas opiniões. Liderar não te da o direto de não ouvir opiniões dos outros. Queríamos impor uma paz tirânica e acabamos impulsionando uma guerra universal, muito pior do que a que houve no quintal de nossa casa. Então hoje discipulamos pessoas em diferentes mundos afim de ensinar, e não impor. Até a paz é uma questão de escolha e temos o livre arbítrio para isso.
- Posso perguntar uma coisa?
- Diga.
- Quantos anos você tem?
- Bastante! – sorriu. – Agora acorde! Você já perdeu a hora!



MARTINS, Pierre - Araruama, 16 de Junho de 2015.

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